Dislipidemias familiares: desafios na prática clínica

Carlos Tavares Bello
26/03/24
Dislipidemias familiares: desafios na prática clínica

Leia o artigo de opinião de Carlos Tavares Bello, endocrinologista do Hospital da Luz, Lisboa, sobre as dislipidemias familiares, dos riscos associados a esta patologia e da importância do papel do especialista no diagnóstico precoce.

As dislipidemias englobam um amplo e heterogéneo grupo de entidades clínicas crónicas que se caracterizam por alterações quantitativas e qualitativas do colesterol e/ou triglicéridos circulantes. Têm uma elevada prevalência, estimando-se que 47 % e 12,7 % da população portuguesa sofra de hipercolesterolemia e hipertrigliceridemia, respetivamente. A sua relevância assenta principalmente, mas não só, no papel que o colesterol tem na aterogenese e risco vascular.

Incontáveis ensaios clínicos multicêntricos, randomizados controlados, metanálises e revisões sistemáticas comprovam o impacto negativo da carga lipídica na saúde e mortalidade vascular. A evidência igualmente revela que a redução dos níveis de colesterol proporciona uma redução da morbimortalidade vascular.

Assim, estratégias que incluam o diagnóstico e tratamento precoces contribuem para uma melhoria da saúde da população. Apesar de se saber que a maior parte das dislipidemias têm uma causa genética de base, a sua investigação dirigida é invulgar. A natureza poligénica da maior parte das dislipidemias faz com que os doentes sejam abordados de forma simplista (perfillipídico e hipolipemiante). No entanto, a prevalência das dislipidemias familiares não poligénicas é muito elevada.

Estima-se que a hipercolesterolemia familiar heterozigótica e a disbetalipoproteinemia afetem 1250 e 1400 da população, respetivamente. Ambas as doenças têm mutações genéticas identificáveis na larga maioria dos doentes e o seu reconhecimento permite a avaliação precoce e sistemática dos familiares, para que se modifique a evolução natural da doença.

Estas patologias podem ser detetadas em qualquer idade, tipicamente condicionam alterações lipídicas mais graves e consequentemente conduzem, quando não tratadas, a uma morbimortalidade vascular elevada e precoce. Existem critérios de diagnóstico bem conhecidos que permitem a seleção criteriosa dos doentes que beneficiam de estudo genético.

O Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge, no âmbito do Estudo Português de Hipercolesterolemia Familiar, possibilita o acesso gratuito à investigação genética de doentes com suspeita de hipercolesterolemia familiar, podendo contribuir para uma maior referenciação dos casos suspeitos.

A Endocrinologia é uma especialidade que aborda um grande número de doentes com patologias diversas, nos quais a doença vascular é mais prevalente e cuja causa de mortalidade precoce é tipicamente derivada de eventos vasculares. Assim, o endocrinologista posiciona-se como um elemento-chave no diagnóstico precoce, preciso atempado dos doentes com dislipidemia, em particular dislipidemias familiares.

 

Artigo disponível no Jornal do Congresso Português de Endocrinologia.

Partilhar

Publicações